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Crédito Acumulado de ICMS em operação de exportação e sua transferência à terceiros

23/03/2015

A lógica inexorável das transações econômicas nos remete concluir que o valor das saídas de mercadorias seja mais elevado em relação ao das entradas, acarretando um balanço positivo que se refletirá em pagamento de imposto – ICMS -. 

Casos de sazonalidade ou estratégias pontuais de estocagem, podem, temporariamente, implicar compras em volume muito superior ao das vendas, gerando saldos credores.

Porém, é certo afirmar que determinadas situações perenes, onde a saída do produto não sofre a incidência da exação, aqui, o ICMS, o contribuinte, por uma lógica socrática acaba por acumular créditos decorrentes das entradas, por exemplo, de matéria prima utilizada no produto final de saída, onde, em médio prazo, os créditos chegam um valor vultoso que jamais será aproveitado pelo contribuinte na sua integralidade, ainda mais quando a empresa tem sua estratégia voltada para as exportações.

Aqui, no Estado do Rio de Janeiro, temos um regramento específico - Lei 2.657/96 – sobre esta situação.

A Lei Estadual nº 2.657/96, em seu art. 38, relaciona os casos em que poderá ser permitida a transferência de saldos credores acumulados do ICMS, verbis:

Art. 38 - Saldos credores acumulados em decorrência da realização de operações ou prestações destinadas ao exterior poderão ser transferidos na proporção que estas saídas representem do total das saídas realizadas pelo estabelecimento, e conforme dispuser a legislação:

I - para qualquer estabelecimento da mesma empresa situado no Estado;

II - para outros contribuintes estabelecidos neste Estado, caso haja saldo remanescente após a dedução prevista no inciso anterior.

No caput da norma, está prevista a forma de aproveitamento por transferência no caso das exportações, assegurada pela alínea “a” do item X do § 2° do art. 155 da CF, verbis:

“Art. 155 - Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(...)

Parágrafo segundo - O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

X - não incidirá:

a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores; (Alínea com redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003 - DOU 31.12.2003)”

Portanto, à obviedade, da simples leitura das normas acima, os saldos credores acumulados em decorrência da realização de operações ou prestações destinadas ao exterior poderão ser transferidos na proporção que estas saídas representam do total das saídas realizadas pelo estabelecimento.

Observe, outrossim, que a lei destaca inicialmente os casos de crédito acumulado de ICMS em virtude da realização de exportações. 

Na proporção das saídas do estabelecimento sobre as saídas totais, o valor acumulado poderá ser transferido para outros estabelecimentos da empresa no Estado do Rio de Janeiro. 

Havendo saldo remanescente após esta primeira remessa, ou na hipótese de inexistência de outros estabelecimentos, a transferência poderá ser feita para outros contribuintes do Estado Fluminense.

A transferência de saldos credores acumulados só poderá ocorrer após o exame de sua legitimidade pela autoridade fiscal competente, segundo a dicção do §1º, do art. 38, da Lei 2.657/96, verbis:

§ 1º - A transferência de saldos credores acumulados só poderá ocorrer após o exame de sua legitimidade pela autoridade fiscal competente.

Para proceder-se à transferência, o contribuinte deverá efetuar solicitação ao Fisco Estadual, que verificará a legitimidade dos mesmos. No momento esta autoridade é o propósito Secretário da Fazenda.

O Poder Executivo poderá autorizar a transferência de saldos credores acumulados em demais operações, para contribuintes estabelecidos neste Estado, conforme dispuser em legislação. É o que proclama o §2º, do art. 38, da Lei 2.657/96, verbis:

§ 2º - O Poder Executivo poderá autorizar a transferência de saldos credores acumulados em demais operações, para contribuintes estabelecidos neste Estado, conforme dispuser em legislação.

Nas demais situações em que surgirem créditos acumulados (outros casos em que a desoneração total ou parcial das saídas ocorrerem sem que os créditos precisem ser estornados), as transferências também poderão ser autorizadas, a critério e por meio de legislação a ser baixada pelo Poder Executivo.

Pontuo ademais.

Sobrepõe-se à Lei Estadual nº Lei 2.657/96, que prevê a possibilidade de transferência do crédito acumulado de ICMS em operação de exportação, a norma constitucional já referenciada [alínea “a” do item X do § 2° do art. 155 da CF/88].

Mas não é só.

A questão do aproveitamento do crédito acumulado do ICMS, em sede de exportação, naquilo a que se refere na transferência à terceiros, vem tipificada na Lei Kandir - Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, que “Dispõe sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e dá outras providências.”

A Constituição Federal, já vimos, no seu artigo 155, parágrafo segundo, inciso X, alínea "a" e inciso XII, alínea "e", expressamente exclui a incidência do ICMS "sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores". Este dispositivo está regulamentado pela Lei Complementar nº 87/96, que no seu artigo 3º, inciso II, igualmente retirou do campo da incidência deste imposto, as operações e prestações que destinem ao exterior, mercadorias e serviços.

Vejamos o art. 3º, II da Lei Kandir, verbis:

Art. 3º O imposto não incide sobre:

 (...)

II - operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, ou serviços;

Observe-se, ainda, o art. 21, §2º, da Lei Complementar nº 87, verbis:

Art. 21. O sujeito passivo deverá efetuar o estorno do imposto de que se tiver creditado sempre que o serviço tomado ou a mercadoria entrada no estabelecimento:

(...)

§ 2º Não se estornam créditos referentes a mercadorias e serviços que venham a ser objeto de operações ou prestações destinadas ao exterior ou de operações com o papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos.

Vale dizer: se não há estorno do crédito do ICMS em exportação, este se acumula, sendo esta, a previsão do art. 25, §1º, II, da Lei Kandir, verbis:

Art. 25. Para efeito de aplicação do disposto no art. 24, os débitos e créditos devem ser apurados em cada estabelecimento, compensando-se os saldos credores e devedores entre os estabelecimentos do mesmo sujeito passivo localizados no Estado.

§ 1º Saldos credores acumulados a partir da data de publicação desta Lei Complementar por estabelecimentos que realizem operações e prestações de que tratam o inciso II do art. 3º e seu parágrafo único podem ser, na proporção que estas saídas representem do total das saídas realizadas pelo estabelecimento:

(...)

II - havendo saldo remanescente, transferidos pelo sujeito passivo a outros contribuintes do mesmo Estado, mediante a emissão pela autoridade competente de documento que reconheça o crédito.

Abaixo, decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, que afasta exigências restritivas fixadas pelo Estado, no que se refere ao aproveitamento de crédito do ICMS em exportação [por aproveitamento, entenda-se, também, a transferência à terceiros] verbis:

49160345 - DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. ICMS-EXPORTAÇÃO. APROVEITAMENTO DE CRÉDITO ACUMULADO POR EMPRESAS COLIGADAS. POSSIBILIDADE. NORMAS ESTADUAIS QUE RESTRINGEM APLICAÇÃO DA LEI KANDIR (LEI COMPLEMENTAR N. 87/96). PRESENTES OS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1 - O aproveitamento de crédito tributário acumulado decorrente de ICMS-exportação se dá pelas disposições da Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/96, art. 3º, II e art. 25). 2 - As normas estaduais que tratam da mesma matéria são restritivas em relação à Lei Kandir. 3 - Neste confronto aparente de norma federal com norma estadual, o juiz decidiu com base em precedentes deste e. TJ/ES e do c. STJ que não permitem que a legislação estadual mitigue a aplicação da Lei Kandir. 4 - Presentes, então, os requisitos para deferimento da tutela de urgência, mantém-se a decisão recorrida. 5 - Recurso conhecido e desprovido. (TJES; AI 24119000123; Primeira Câmara Cível; Rel. Des. William Couto Gonçalves; DJES 05/09/2011; Pág. 12)

De toda a sorte o Colendo STJ já pacificou o assunto que nos interessa, ou seja, da legalidade da transferência dos créditos acumulados de ICMS à terceiros, verbis:

“Superior Tribunal de Justiça - STJ.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.215.574 - ES (2010/0181618-3)

RELATORA: MINISTRA ELIANA CALMON

RECORRENTE: COMPANHIA FERRO E AÇO DE VITÓRIA - COFAVI - MASSA FALIDA

REPR. POR: ANTONIO PENEDO LEÃO BORGES - ADMINISTRADOR

ADVOGADO: ROQUE ANTONIO CARRAZZA E OUTRO(S)

RECORRIDO: ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

PROCURADOR: CLAUDIO PENEDO MADUREIRA E OUTRO(S)

RECORRIDO: ARCELORMITAL BRASIL S/A

ADVOGADO: MARCELO PAGANI DEVENS E OUTRO(S)

EMENTA:

TRIBUTÁRIO RECURSO ESPECIAL ARTIGO 535 DO CPC AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO COISA JULGADA INEXISTÊNCIA PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO ICMS DIREITO CUJA NATUREZA É DE CRÉDITO FISCAL TRANSFERÊNCIA A TERCEIROS POSSIBILIDADE IMPEDIMENTO LEGAL INEXISTENTE.

1. Não viola o artigo 535, do CPC, o acórdão que decide de forma suficientemente fundamentada, não estando a Corte de origem obrigada a emitir juízo de valor expresso a respeito de todas as teses e dispositivos legais invocados pelas partes.

2. Nos termos da jurisprudência reiterada desta Corte Superior, o prequestionamento não exige a expressa menção dos dispositivos tidos por violados, bastando que a matéria por eles versada tenha sido discutida pelo Tribunal de origem, hipótese ocorrente nos autos consoante se verifica do acórdão recorrido.

3. Inexistência de afronta à coisa julgada, uma vez que a pretensão veiculada no pedido da recorrida não possui identidade com aquela constante da ação cujo trânsito em julgado já se materializou.

4. A pretexto de afastar suposta interpretação extensiva, o Tribunal de origem aplicou o artigo 111, II, do CTN a situação em que esse comando normativo não incide, uma vez que não se está diante de isenção, mas de mero crédito fiscal.

5. No caso concreto, o direito ao benefício fiscal previsto em lei - que por oposição do Fisco estadual foi reconhecido e quantificado somente em juízo, e após o prazo legal de fruição - deixou de possuir natureza isentiva ou de incentivo tributário, transmudando-se em simples crédito escritural de natureza fiscal, cuja transferência não encontra impedimento legal.

6. A LC 87/96 estabeleceu no artigo 25 duas hipóteses de transferência de crédito acumulado do ICMS. No § 1º, os créditos oriundos de operações de exploração de matéria-prima ou produtos industrializados, como previsto no artigo 3º inciso II. No § 2º, delegou ao legislador estadual a escolha das hipóteses, quando pretendesse o contribuinte transferir o seu crédito a terceiro. No caso dos autos, está-se diante da segunda hipótese.

7. Conforme constatado pelo Tribunal de origem, "em momento algum prevê a citada lei a possibilidade de transferência da bonificação em espécie por via dela concedida, a terceiros". Não se verifica, também, a indicação de hipóteses para sua ocorrência.

8. No entanto, não se pode concluir que, pelas simples ausência de hipóteses e requisitos para a transferência de crédito tributário ou inexistência de proibição expressa neste sentido, referida transferência torna-se impossibilitada. Isto porque a regra é que os créditos, sejam eles tributários ou não, podem ser transferidos a terceiros. Precedente (REsp 1119558/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, Rel. p/ Acórdão Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/05/2012, DJe 01/08/2012).

9. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO:

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Og Fernandes e Mauro Campbell Marques (Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Dr(a). ROQUE ANTONIO CARRAZZA, pela parte RECORRENTE: COMPANHIA FERRO E AÇO DE VITÓRIA - COFAVI

Dr(a). MARCELO PAGANI DEVENS, pela parte RECORRIDA: ARCELORMITAL BRASIL S/A

Brasília-DF, 10 de dezembro de 2013(Data do Julgamento)

MINISTRA ELIANA CALMON

Relatora”

Realizei as ponderações acima, em detrimento da Resolução nº 2790 de 1997, editada pelo Estado do Rio de Janeiro, para efeito de “regulamentar” [DIFICULTAR] a transferência do crédito acumulado do ICMS em exportação.

O que importa ao presente estudo é o art. 7º, III, da mencionada Resolução, verbis:

“Art. 7.º A transferência de saldos credores remanescentes para outro contribuinte deste Estado será precedida de autorização do Secretário de Estado de Fazenda, em processo regular, constituído por requerimento do contribuinte detentor do crédito original do qual constarão, obrigatoriamente:

I - nome e inscrição estadual de cada destinatário do crédito;

II - fim a que se destina cada transferência, indicando as diversas hipóteses previstas no artigo 4º e, se for o caso, detalhando e comprovando, através de projeto específico, as utilizações previstas em seu inciso V; .

III - concordância de cada destinatário em receber o crédito acumulado e declaração de inexistência de crédito tributário contra qualquer estabelecimento seu, ou, se for o caso, sua identificação e a informação de que o mesmo se encontra garantido por depósito administrativo, judicial ou qualquer outra forma de garantia, ou se pendente de apreciação de recurso administrativo interposto;” (Grifei)

Ora, decerto, o destinatário não é um especulador e, se está a adquirir créditos acumulados de ICMS, é exatamente para fazer frente à eventual inadimplência sua, no que se refere ao mesmo tributo, nos fatos geradores em que está inserido rotineiramente.

O inciso III, do art. 7º, da Resolução 2790/1997, é contrária aos termos da Lei Kandir, se revela, em verdade, em um dificultador, ao passo que estabelece exigência que a Lei Complementar Federal não faz, para efeito de transferência do crédito do ICMS à terceiros, portanto, perfeitamente derrubável em mandado de segurança, acaso seja negada a transferência, sobre este prisma.

No mais, o art. 11 da Resolução 2790/1997, disciplina a forma em que ocorrerá a transferência do crédito acumulado do ICMS à terceiros, verbis:

Art. 11. A transferência de saldos credores remanescentes para outro contribuinte deste Estado far-se-á através de emissão de nota fiscal, nos termos do artigo 6º, devendo o estabelecimento transferidor do crédito submeter à repartição fazendária de sua circunscrição as 1as, 3as e 4as vias da nota fiscal, para aposição, no verso das mesmas, de carimbo conforme o anexo II, pelo qual se fará o reconhecimento do crédito, assinado por servidor Fiscal de Rendas e pelo titular da repartição fazendária.

Portanto, à luz do que acima resta explanado, é legal e viável financeiramente, nas duas “pontas” da situação, a transferência de créditos acumulados de ICMS por conta de operações de exportação, sempre, lógico, na operação de “compra e venda”, havendo um deságio sobre o crédito objeto da transferência.    

Leonardo Garcia de Mattos – Advogado Tributarista  


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